“Quando estava saindo da cerimônia de entrega
do prêmio APCA, há duas semanas em São Paulo, fui abordado por um rapaz
meio abobalhado. Ele disse que me amava, chegou a me dar um beijo no
rosto e pediu uma entrevista para seu programa de TV no interior. Mesmo
estando com o táxi de porta aberta me esperando, achei que seria rude
sair andando e negar a entrevista, que de alguma forma poderia ajudar o
cara, sei lá, eu sou da época da gentileza, do muito obrigado e do por
favor, acredito no ser humano e ainda sou canceriano e baiano, ou seja,
um babaca total. Ele me perguntou uma ou duas bobagens, e eu respondi,
quando, de repente, apareceu outro apresentador do programa com a mão
melecada de gel, passou na minha cabeça e ficou olhando para a câmera
rindo. Foi tão surreal que no começo eu não acreditei, depois fui
percebendo que estava fazendo parte de um programa de TV, desses que
sacaneiam as pessoas. Na hora eu pensei, como qualquer homem que sofre
uma agressão, em enfiar a porrada no garoto, mas imediatamente entendi
que era isso mesmo que ele queria, e aí bateu uma profunda tristeza com a
condição humana, e tudo que consegui foi suspirar algo tipo “que coisa
horrível” (o horror, o horror), virar as costas e entrar no carro. Mesmo
assim fui perseguido por eles. Não satisfeito, o rapaz abriu a porta do
táxi depois que eu entrei, eu tentei fechar de novo, e ele colocou a
perna, uma coisa horrorosa, violenta mesmo. Tive vontade de dizer: cara,
cê tá louco, me respeita, eu sou um pai de família! Mas fiquei quieto,
tipo assalto, em que reagir é pior.
” O que vai na cabeça de um sujeito que tem como profissão jogar meleca nos outros? É a espetacularização da babaquice ”
O táxi foi embora. No caminho, eu pensava no fundo do poço em que
chegamos. Meu Deus, será que alguém realmente acha que jogar meleca nos
outros é engraçado? Qual será o próximo passo? Tacar cocô nas pessoas?
Atingir os incautos com pedaços de pau para o deleite sorridente do
telespectador? Compartilho minha indignação porque sei que ela diz
respeito a muitos; pessoas públicas ou anônimas, que não compactuam com
esse circo de horrores que faz, por exemplo, com que uma emissora de TV
passe o dia INTEIRO mostrando imagens da menina Isabella. Estamos nos
bestializando, nos idiotizando. O que vai na cabeça de um sujeito que
tem como profissão jogar meleca nos outros? É a espetacularização da
babaquice. Amigos, a mediocridade é amiga da barbárie! E a coisa tá
feia.
” Isso naturalmente não o impediu de colocar a cagada no ar. Afinal de contas, vai dar mais audiência ”
Digo
isso com a consciência de quem nunca jogou o jogo bobo da celebridade.
Não sou celebridade de nada, sou ator. Entendo que apareço na TV das
pessoas e gosto quando alguém vem dizer que curte meu trabalho, assim
como deve gostar o jornalista, o médico ou o carpinteiro que ouve um
elogio. Gosto de ser conhecido pelo que faço, mas não suporto falta de
educação. O preço da fama? Não engulo essa. Tive pai e mãe. Tinham pais
esses paparazzi que mataram a princesa Diana? É jornalismo isso? Aliás,
dá para ter respeito por um sujeito que fica escondido atrás de uma
árvore para fotografar uma criança no parquinho? Dois deles perseguiram
uma amiga atriz, grávida de oito meses, por dois quarteirões. Ela passou
mal, e os caras continuaram fotografando. Perseguir uma grávida? Ah,
mas tá reclamando de quê? Não é famoso? Então agüenta! O que que é isso,
gente? Du Moscovis e Lázaro (Ramos) também já escreveram sobre o
assunto, e eu acho que tem, sim, que haver alguma reação por parte dos
que não estão a fim de alimentar essa palhaçada. Existe, sim, gente
inteligente que não dá a mínima para as fofocas das revistas e as
baixarias dos programas de TV. Existe, sim, gente que tem outros
valores, como meus amigos do MHuD (Movimento Humanos Direitos), que
estão preocupados é em combater o trabalho escravo, a prostituição
infantil, a violência agrária, os grandes latifúndios, o aquecimento
global e a corrupção. Fazer algo de útil com essa vida efêmera, sem
nunca abrir mão do bom humor. Há, sim, gente que pensa diferente. E
exigimos, no mínimo, não sermos melecados.
No dia seguinte, o
rapaz do programa mandou um e-mail para o escritório que me agencia se
desculpando por, segundo suas palavras, a “cagada” que havia feito. Isso
naturalmente não o impediu de colocar a cagada no ar. Afinal de contas,
vai dar mais audiência. E contra a audiência não há argumentos. Será?”
( foi muito bom ler isso ! )